Nota do Lab: o pintor Hélvio Lima é um antigo colaborador do Laboratório das Artes, que possui obras do artista em seu acervo. Esta entrevista mostra um pouco do artista e sua vida.
1.Quem é Hélvio Lima?
Mineiro, de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, formado em letras neolatinas, sou autodidata nas artes plásticas. Comecei em criança, através do desenho, o exercício nas artes. A pintura das telas, a partir dos dezoito. Despertei para a poesia e a literatura no curso clássico e na faculdade. Taurino, 23 de abril, dia de São Jorge, sou um lutador, vou fundo nas coisas que eu gosto, e a paixão pela arte e a poesia, motivam meu trajeto nesta existência. Acredito que já tenha vivido muitas vidas e tenho outras tantas por viver. Os desafios da vida é que nos ensinam. O aprendizado é difícil, mas necessário ao nosso aprimoramento. Busco a simplicidade, acima de tudo, na realização do meu trabalho, no convívio com as pessoas que nos rodeiam. Simplificar tudo para chegar à síntese, isto o ideal.
2.Como artista plástico já participou de mais de 300 exposições. Como é a sensação a cada nova exposição?
Desde a primeira exposição coletiva da qual participei aqui em Uberlândia, nos conturbados anos sessenta, o desafio continua sempre o mesmo: apresentar um trabalho sério, arte, à observação do público. Submeter-se aos olhares diversos, eis a questão. De 1968 aos anos 70 expus em espaços alternativos de lojas e outros lugares, todos que apareciam, que atraiam a leitura de diferentes olhares e classes sociais. Num destes espaços mostrei um desenho grande de Guevara, um pastel/óleo, que motivou a anotação de meu nome por repressores de plantão na cidade. Os temas figurativos de cunho social sempre me atraíram. A série "Campônios/Operários", levou-me ao reconhecimento inicial da obra. Um terrível incêndio na molduraria, uma semana antes do vernissage, em 1981, queimou 27 obras desta série. Este fato, profundo impacto em mim, mostrou-me a importância das obras que se cria, queridos filhos jogados no mundo.
A ânsia e a expectativa que antecedem cada mostra nos impulsionam a renovar-nos com criatividade, mas a liberdade de expressão é que deve prevalecer acima de tudo. A partir da década de oitenta, com a premiação em alguns salões de arte, e exposições individuais em galerias de arte, não só em Uberlândia, como em outras cidades brasileiras, pude fazer melhor avaliação do significado e alcance da arte em minha vida. Mais de quarenta anos de carreira me proporcionaram maior segurança ao aceitar os desafios que uma exposição de arte nos impõe, porém, a sensação de uma nova mostra é sempre instigante, surpreendente e desafiadora.
3.Conte-nos sobre o jornal Fundinho Cultural, desde a sua origem, aos seus objetivos.
Há 10 anos edito, no peito e na raça, sem apoios oficiais da cidade onde moro, mas com a colaboração de maravilhosos amigos, o jornal Fundinho Cultural, cujo nome se origina do bairro mais antigo de Uberlândia, o Fundinho. A idéia do jornal nasceu a partir da minha mudança de residência e atelier/galeria para este local. O objetivo da publicação, a princípio, foi trazer relatos significativos, depoimentos históricos de pessoas interessantes da cidade, entremeados de literatura não só dos escritores de Uberlândia, mas de todo o Brasil, e do exterior. à medida que as edições se sucedem, busco aprimorar a sua apresentação e o jornal ganha a apreciação e o incentivo de novos colaboradores. Costumo dizer que o Fundinho Cultural é um jornal de um artista plástico que gosta de escrever e publicar os escritores com o maior prazer. Indescritíveis e ternos momentos o Fundinho Cultural tem me proporcionado. As figuras dos mais vividos à minha porta sugerindo uma entrevista, uma matéria com alguém especial. A avó cujo neto em Dubai busca notícias do bairro onde nasceu. Aquela leitora que envia exemplares para seus parentes na Espanha ou nos Estados Unidos.
4.Vi uma postagem em seu mural com uma canção de Raberuan, artista querido e inesquecível aqui de minha região. Vejo também em você uma bela aproximação com poetas. As artes em suas múltiplas linguagens podem orientar os sentimentos do mundo?
Raberuan, conheço de pouco tempo para cá, mas já admiro bastante. Com suas lindas canções, saídas do coração, uma poética do cotidiano e uma voz personalíssima. Uma pena que ele já partiu para outro plano, tão prematuramente. Fui apresentado a ele pelos vídeos colocados no face, pelos poetas Escobar Franelas (poeta, professor e multimídia) e o Akira Yamazaki (poeta e produtor cultural), de São Paulo. Comecei o intercâmbio com poetas amigos de vários lugares, desde a década de setenta, publicando-os no jornal da empresa onde trabalhava. Continuo recebendo muitos livros e poemas e conhecendo novos talentos. E sempre grato pela gentileza das remessas, vou publicando-os no Fundinho.
O que seria do universo sem as artes? As artes nos aproximam de Deus, e nos desprendem do chão. Que tristeza, pessoas com raízes no ter somente! E aqueles que só pensam em levar vantagem, baseados nas aparências, que sempre nos enganam? Quem não tem um olhar para a arte e a poesia não olha prá dentro de si, não sabe o que é viver.
5.Sempre recebo belos postais com sua pintura e a reprodução de versos de poemas de poetas contemporâneos. Como é realizado esse trabalho? Como os versos são escolhidos? Pode nos falar sobre isso?
Os postais, com minhas pinturas e versos do conterrâneo poeta Aricy Curvello, surgiram em 2001, a partir de um projeto inicial de 3 obras que participaram de um Salão Internacional de Artes em Brasília e obtiveram o primeiro lugar. A série "O Chão que a gente pisa", em acrílica e técnica mista sobre tela foi desenvolvida em cerca de 30 obras e quase em sua totalidade foram transformadas em edições especiais de postais que tem sido espalhados pelo mundo. No processo de elaboração, foram realizadas as pinturas e depois a busca dos poemas, de forma abstrata sem a obrigatória correlação com a obra, mas de certa forma com ela comprometida. O estudo e a admiração pela poesia de Aricy Curvello, com seus temas da contemporaneidade levaram-me, com o consentimento do autor, a incorporá-la no trabalho plástico. Recentemente foi realizada em São Paulo, na Casa Amarela, com a curadoria de Escobar Franelas, uma exposição destes postais e algumas obras inéditas.
6.Você promove uma mescla, uma sintonia elegante e apurada em sua arte, com motivos populares banhados num requinte de cores e técnica. Sua infância influenciou esse seu modo de ver e de fazer arte?
A infância feliz vivida em paz, num lar tranquilo, com muito amor, possibilita o equilíbrio da criança e norteia seus rumos. Natural de um lar de operários, o meu pai Iracy, desenhava bem, era pintor de paredes e me ensinou o segredo das cores. Minha mãe, Miquita, uma bandolinista, oriunda de uma família profundamente musical me ensinou a cantar. O meu avô era compositor e maestro do Jazz Band Az de Ouro. O tio, dono da Orquestra Tapajós, tinha a harmonia de Glenn Miller em seu itinerário. Em criança ficava observando os varais da Dona Magnólia, as diferentes cores das roupas, e os canteiros de copos de leite, cravos e madressilvas. Queria saber o por que de tudo, e desenhava as primeiras formas que via com a pequena caixa de lápis de cor. O exercício da cor é uma forte presença em minha arte e o desenvolvimento das várias técnicas me possibilitam expressar-me com liberdade.
7.A Rede é uma maravilhosa revolução na forma como as pessoas se comunicam e se relacionam, mas é nela também que vemos nos murais a reprodução de postagens arrogantes e preconceituosas, muitas vezes disfarçadas e elitizadas, como também piadas que reproduzem estereótipos. Poderia nos dar o seu depoimento sobre o que para você significa a Rede?
Demoro um pouco a acostumar-me e adaptar-me às possibilidades da informática. Mas, acredito que os tempos modernos nos impelem a encontrar na Rede os resultados para as buscas de cada um. Hoje, não tem como radicalizar-se em atitudes de negar o que foi criado pelo homem, talvez, para alguns, ativar meras conveniências das relações comerciais, mas existe um leque de novas possibilidades e abertura para rápida comunicação. As pessoas são livres para postar o que quiserem, mas, podemos ocultar os assuntos, vídeos e afins, que agridem nosso senso estético e não nos satisfazem. Não sou favorável às denúncias, nem censuras, mas cada um vê o que quer e tudo bem. Preencher com arte, cultura e sabedoria é sempre uma saudável dica. E fora com as postagens arrogantes e preconceituosas, piadinhas de duplo sentido que geram discriminações. Vejo um bom vídeo, uma frase legal, um texto que nos desperta a criatividade e nos alerta para a solidariedade e o carinho pelo próximo, curto e compartilho com prazer.
8.Lembra qual foi a sua primeira pintura? E tem alguma que o tenha marcado de forma mais acentuada?
A primeira pintura, um óleo sobre tela, foi uma simples natureza morta, mas, a seguir quis pintar um conjunto musical de traços marcados, de tendência expressionista, para homenagear minha família de músicos. Esta obra faz parte do acervo do meu irmão Hélio. Pintei também uma série em pastel oleoso que retratava grupos humanos. Um grupo de crianças especiais em seu passeio pela praça conduzidos pela professora. Um quadro que retratava a explosão da alegria. Fiz o retrato de um casal de idosos, magros, o homem cego que pedia esmolas com um pequeno quadro de Nossa Senhora Aparecida. Eu os via passar por minha rua diariamente e os fixei numa tela. Pintava muito o que via, pelas formas quase acadêmicas.
9.Pode nos revelar um pouco como é o seu trabalho ao lado da companheira em seu atelier? E poderia também nos atiçar algo sobre o livro que pretende publicar em 2013?
Em nosso atelier/galeria no centro da cidade, situado ao lado da residência, trabalhamos, principalmente, quando cessam os ruídos da cidade, o telefone, a rotina dos filhos Renan e Isabela, as obrigações de todo cidadão comum. Trabalhávamos quase que diariamente com múltiplas exposições e projetos. Agora, intercalamos um pouco as atividades artísticas com as aulas do atelier livre que ministramos e as edições do jornal. Na paz do atelier do cerrado, onde Adélia Lima, minha meiga e generosa companheira há 37 anos, talentosa escultora, faz seus trabalhos de maior formato. O contato com a natureza, no campo, o encontrar-se consigo mesmo, sem telefone, sem campainha, só a passarada, nos alimenta... Tivemos em 2012 o projeto de um bom livro sobre minha história de 40 anos envolvido com as artes, aprovado pela Secretaria de Cultura de Minas Gerais, mas a não formação de uma equipe para isto e circunstâncias externas não permitiram ainda a realização deste sonho, mas a batalha continua neste ano. Tenho inúmeras críticas sobre minha obra, depoimentos de colecionadores e fotos das diversas fases para compor o livro.
10.O quadro da capa desta edição é lindo. Como é a sua rotina de produção de suas telas? Prefere as manhãs? Ou pinta nas noites? Fale um pouco sobre isso aos leitores de nossa FIANDEIRA, por favor.
Não existe uma rotina em meu trabalho, nem dia, nem hora certa para subir ao atelier e começar uma nova obra. Depois de um período afastado das tintas estou organizando o atelier para iniciar novos trabalhos neste início de ano.Tenho que me sentir completamente à vontade para produzir uma nova obra. Gosto de trabalhar à noite. Roupas velhas e leves, um radinho tocando, um lanchinho que sempre vem e deixa a vida rolar. Nesta hora as vozes do mundo lá fora emudecem e o universo se amplia no atelier que fica imenso porque arte é vida e é hora de tecer novas urdiduras.
11.Considera que alguns pintores tenham de alguma forma exercido alguma influência em sua formação como artista? Em sua infância, como se deu os primeiros contatos com a pintura. Lembra de algum autor que o tenha encantado de imediato?
Em criança, não tive contato com literatura específica à arte. Tive convivência com músicos mas não com artistas plásticos. O ambiente de onde eu vim era extremamente simples e a preocupação maior era suprir as necessidades básicas da sobrevivência, os estudos e a saúde. Nós todos, as pessoas da casa, estávamos envolvidos o tempo todo com trabalhos árduos e estafantes. No labor operário, ao lado de meu pai, na pintura de paredes, tive contato com os pigmentos e as cores e daí as primeiras experiências pictóricas, mas nisto não tive nenhuma aprovação dele. Um operário quer um filho médico, engenheiro ou advogado, não um artista ou um poeta... Pelo menos, este era o testamento lido diariamente nos meus ouvidos. Se insistisse neste assunto o coro comia, com certeza. Na adolescência e mocidade, a partir dos recursos vindos dos meus primeiros empregos, comprei alguns livros e frequentei as livrarias da pequena cidade. Gostei muito dos expressionistas, achei maravilhoso aquele estilo solto, denso e interior. Penso que no meu trabalho inicial carreguei alguma influência daquilo que vi nos livros. Impossível não citar a força expressiva de Van Gogh, Matisse, Munch, Modigliani, gênios que povoaram o meu mundo de sonhos.
12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual é a sua PALAVRA FIANDEIRA?
Trabalho, trabalho e mais trabalho, com prazer. Assim a aranha tece sua teia e vive sua sina. A fiandeira faz a sua parte, tecendo dia e noite o seu destino. E eu fico aqui tecendo palavras e agradecendo ao amigo, brilhante escritor Marciano Vasques a oportunidade de fazer meus relatos, contar um pouco de mim. Muita honra estar aqui neste espaço junto com tanta gente importante! Fiquei muito feliz em passar minha experiência de vida, meu caso de amor com a arte e a poesia, um caminho de muita alegria e realizações felizes. Grato amigo Marciano e grato a todos que puderem ler meu sincero relato. Abraços gerais aqui do cerrado brasileiro, com o canto das siriemas, dos mutuns, o sabor e o perfume dos muricis.
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